segunda-feira, 24 de janeiro de 2011


O que você faz enquanto espera seu ônibus? Ouve música? Joga alguma coisa no celular? Lê jornal? Pois em São Francisco, nos EUA, as pessoas estão jogando videogames, instalados no próprio ponto de ônibus, contra outras pessoas que ficam em outros pontos.
Isso mesmo, você pode jogar contra outro passageiro no outro canto da cidade enquanto espera sua condução.
A Yahoo instalou telas touchscreen gigantes nos pontos de ônibus e disponibilizou nelas vários jogos, como um quizz sobre esportes ou jogos de estratégia e quebra-cabeças. E o maior incentivo para você jogar é que o score da sua vizinhança inteira é somado e comparado com o de outras regiões. Depois você pode comemorar com seus vizinhos se seu bairro teve a maior pontuação da cidade.
Lógico que os games estão povoados de propagandas, mas isso não estraga a diversão de ninguém, certo?
Depois dos banheiros com videogame no Japão e dos pontos de ônibus em São Francisco, resta especular onde mais os games poderão aparecer.

domingo, 23 de janeiro de 2011

A leitura, uma notável atividade neurológica

Um estranho problema vivido pelo escritor canadense Howard Engel, autor de livros cujo personagem principal é o detetive Benny Cooperman, levou o médico e escritor Oliver Sacks a escrever um intrigante ensaio sobre a leitura em “Um homem de letras” (O olhar da mente, Companhia das Letras). Certo dia em 2002, Engel acordou, pegou o jornal que parecia o mesmo de sempre, mas logo percebeu que não conseguia ler uma única palavra.

Em uma carta que enviou a Sacks, ele descreveu sua dificuldade: “Eu podia ver que as letras que o compunham eram as 26 letras do alfabeto inglês com as quais eu estava habituado. Só que agora, quando eu as focalizava, ora pareciam cirílico, ora coreano”. Na primeira avaliação neurológica, constatou-se que Engel estava também com outros problemas visuais: dificuldade para reconhecer cores, rostos e objetos comuns. A impossibilidade de ler era desesperadora: sua vida, seu trabalho e sua identidade estavam ligados à leitura e à escrita de narrativas elaboradas de crimes e investigações.

Mas, para seu espanto, Engel descobriu que podia escrever perfeitamente, embora não conseguisse ler o que ele próprio escrevia. O que ele tinha era uma “alexia sem agrafia”, uma cegueira para palavras. Ora, ler e escrever andam juntos; como é que ele podia perder uma coisa e não a outra?, pergunta-se Sacks, explicando que concebemos a leitura como um ato contínuo e indivisível, e quando lemos prestamos atenção ao significado e talvez à beleza da linguagem escrita, inconscientes dos muitos processos que a possibilitam. Só quando encontramos um problema como a alexia é que percebemos que a leitura, na verdade, depende de toda uma hierarquia ou cascata de processos que pode ser interrompida em qualquer ponto.

Em todos os seus livros, Sacks parte de um caso médico, uma história real, para escrever um ensaio que é ao mesmo tempo um texto científico que pode ser lido por leigos, uma reflexão sobre a condição humana (em seus aspectos naturais e culturais, sem qualquer reducionismo biológico) e um conto literário sobre um caso\personagem que busca conhecer e expandir as incríveis capacidades que as pessoas têm de encontrar caminhos para conviver com dificuldades impostas por limitações neurológicas (entre seus livros mais conhecidos estão O homem que confundiu sua mulher com um chapéu e Um antropólogo em Marte; sua autobiografia, Tio Tungstênio, e A ilha dos daltônicos são também imperdíveis).

No caso do escritor canadense, Sacks investiga os processos neurológicos do ato de ler: “A leitura, evidentemente, não termina com o reconhecimento das formas visuais das palavras. Seria mais exato dizer que é nesse momento que ela começa”. A linguagem escrita destina-se a comunicar o som das palavras e seu significado e esta atividade cerebral tem conexões com as áreas cerebrais da audição e da fala, com as áreas intelectuais e executivas e com as áreas úteis à memória e à emoção.

Em princípio, a opção que parecia se apresentar a Engel era depender da leitura de outra pessoa ou de áudio-livros, mas ele não queria isso, porque envolveria uma “mudança radical na visualidade da leitura, da aparência das palavras na página para um modo de percepção essencialmente auditivo – na verdade, ouvir em vez de ler e, talvez, falar em vez de escrever. Seria isso desejável, ou mesmo possível?”. E Engel, como escritor, queria voltar a ler.

Ao examinar pessoas em geral e pacientes com alexia, Sacks explica que existe nos seres humanos letrados um “hemisfério da linguagem, um sistema neuronal potencialmente disponível para o reconhecimento de letras e palavras (e talvez outras formas de notação visual – matemática ou música, por exemplo)”, o que introduz uma pergunta intrigante: por que todos os seres humanos têm esse equipamento inato para ler se a leitura é uma invenção cultural recente, se a escrita surgiu há pouco mais de 5 mil anos, evidentemente tempo curto para que tenha sido um processo de evolução por seleção natural? “Embora a área de formação visual das palavras no cérebro humano pareça ser primorosamente sintonizada com o ato de ler, não pode ter evoluído especificamente para tal propósito”, pondera Sacks.

A resposta é fascinante: “Todos nós vivemos em um mundo de visões, sons e outros estímulos, e nossa sobrevivência depende de fazermos uma rápida e acurada interpretação deles. Compreender o mundo à nossa volta tem de ser algo baseado em algum tipo de sistema, algum modo rápido e certeiro de analisar o ambiente. Embora ver objetos, defini-los visualmente, pareça ser instantâneo e inato, constitui na verdade uma tremenda façanha perceptual que requer toda uma hierarquia de funções. Não vemos os objetos como tais; vemos formas, superfícies, contornos e fronteiras, que se apresentam em diferentes luminosidades ou contextos e mudam de perspectiva quando se movimentam ou quando nos movimentamos.”

Desse caos visual complexo e mutável é necessário extrair invariantes que permitam inferir a qualidade do objeto. Não seria econômico supor que existem representações individuais (engramas) para cada um dos bilhões de objetos ao nosso redor. A capacidade de combinação precisa ser convocada e precisamos de um conjunto finito ou vocabulário de formas que possa ser combinado de um número infinito de modos, assim com as 26 letras do alfabeto podem ser reunidas (sob determinadas regras) para formar quantas palavras ou sentenças forem necessárias a uma língua.

Talvez alguns objetos possam ser reconhecidos logo que nascemos ou pouco depois, por exemplo, os rostos, escreve Sacks. Fora esses, porém, o mundo dos objetos precisa ser aprendido por meio de experiência e atividade: olhando, tocando, manuseando, correlacionando as impressões dadas pelos objetos com a aparência deles: “O reconhecimento visual de objetos depende dos milhões de neurônios do córtex inferotemporal, e nessa área a função neuronal é muito plástica, aberta e altamente responsiva a experiência e treinamento, à educação. Os neurônios inferotemporais evoluíram em função do reconhecimento visual geral, mas podem ser recrutados para outros propósitos – mais notavelmente, a leitura”.

Isto é facilitado pelo fato de que os sistemas de escrita parecem ter em comum certas características topológicas com o ambiente, características que nosso cérebro evoluiu para decodificar. A análise de mais de uma centena de sistemas de escrita, incluindo ideogramas chineses, mostrou que mesmo sendo geometricamente muito diferentes, têm em comum semelhanças topológicas básicas, e foram constadas invariantes topológicas semelhantes em um conjunto de cenários naturais.

Tudo isso não quer dizer que, mesmo durante a curta vida de um indivíduo ou de uma sociedade, desenvolvimentos culturais e individuais, selecionando pela experiência, podem se dar em uma escala de tempo infinitamente mais rápida do que o da evolução. Quanto ao escritor Howard Engel, após muitos meses, ele aprendeu um complexo sistema de escrita e leitura, que incluía várias estratégias e o apoio de um revisor que lia os textos, o que lhe permitiu continuar a escrever, baseado em sua experiência e no mundo que passara a ser seu cotidiano, publicando Memory Book (Livro da memória), em 2005, e The man who forgot how to read (O homem que esqueceu como ler) em 2007. Ambos tendo o detetive Benny Cooperman como personagem principal.

Fonte: http://www.publishnews.com.br/telas/colunas/detalhes.aspx?id=61781